segunda-feira, 12 de março de 2012

Almas do Concreto

Caro amigo, na semana passada uma pessoa me ligou já tarde da noite para dizer que voltava de viagem. Ela não é de São Paulo. Chegou aqui para estudar e ficou, mas a cidade de alguma forma sempre a consumiu, mudou-se para o ABC. O que deu fôlego, mas somente isso. Depois de visitar algumas outras cidades brasileiras em um mês de viagens, a reação a voltar para a cidade foi uma única: chorar. Foi então que olhei para esse horizonte e comecei a pensar, será que está tudo assim tão vazio de proposta, de sentimentos? Somos almas vacantes, acostumadas à solidão? Não consegui dizer não, e é provável que estejamos mesmo indo nessa direção. Sei que a cidade pode ser exatamente como ela me descrevia, mas ao mesmo tempo é o lugar que sempre vivi, onde estou inserido. Somos a cidade mais populosa do Brasil, e a mais vazia, a ponto de nossa realidade virar um lamento, um choro sem porquês, e sem parada? Afinal o que é São Paulo? Isto ficou me perturbando esses dias.
Danilo Martinho (10/10/2011)

Eu caminhei por essa cidade cabisbaixo, reclamando, indignado por tanta sujeira, tantos errantes desgraçados sendo ignorados por outros tantos herdeiros ilustres. Até que encarei Guerra e Paz de Portinari. E aqueles murais que calaram tantas vozes pelo mundo silenciaram minha mente. Nasci paulistano, mas ninguém me obriga a prosseguir com isso. Posso muito bem me tornar coisa d'outra terra.
Não ostentamos nenhuma deusa pagã que convida os estrangeiros à liberdade, nenhuma antena de rádio tem destaque de monumento histórico, nossos pórticos são entradas para instituições financeiras centenárias, quem chega aqui só percebe onde está quando já em meio a um turbilhão de ruídos, imagens, nuvens, sóis e ventos. Chorar-se-á a solidão aflita se vem cá tentar a vida. As favelas estão cheias de planos – que tramitam entre a assembleia legislativa e as enchentes.
Seria preciso perguntar a que veio tu, estrangeiro! Mas não, não perguntamos “quem vem lá?”. Pode ser que esqueçamos de sorrir, somos todos estrangeiros por aqui, somos famílias, bairros, classes, todas juntas, desunidas, reunidas por circunstâncias dessas casuais-caóticas; uns poucos patriarcas gostaram do clima chuvoso de outrora e por aqui ficaram. Fazendas, hortas, parques, praças arborizadas e se foi concretizando-concretando a cidade. Era a promessa moderna de uma desgraça anunciada, mas com tanta variedade existem combinações das mais imprevisíveis. Aqui também ainda há muros, cercas, linhas imaginárias separando mini-mundos. Promessas e crises fizeram o território paulistano inchar. As filas dão conta dos documentos, a conta bancária significará dignidade, mas sempre aquela burocrática. Vontade de sorrir custa mais caro. 
Há uma frase discreta, elitista, quase grosseira, que podemos lhe repetir em língua morta: Non Dvcor, Dvco [não sou conduzido, conduzo], lema desta terra que se convencionou chamar São Paulo. Não sei como o lema se fez, mas se repete diariamente. Aqui é preciso decidir. Não será preciso repetir para quem já vive aqui, mas que fique claro: esta pequena frase em latim contém o segredo da sobrevivência humana neste planeta.
Diogo Canhadas (28/02/2012)

Diogo Canhadas é filósofo, mestrando e autor do blog "O custo do Silêncio" http://algum.wordpress.com/

Um comentário:

  1. Maya, eu mudei o endereço do blog, que agora passou para ".com.br". Vê se aparece. Sumiço não pode acontecer.

    Beijos! ;)

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