quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Encher balde furado – Leonel

Eu devia ter uns oito anos quando três colegas de turma me cercaram no intervalo das aulas. Dois me seguraram cada qual um braço, e, o terceiro deferiu uma série de chutes em mim. Foram vários os dias em que esta cena se repetiu, até que eu vencesse o silêncio, e, contasse aos meus pais. Naquela época nem se discutia bullying, e, casos como o meu eram encobertos por discursos como os do meu pai, que incitava revidar a preço de minha integridade física, mas pela preservação de minha moral masculina; ou, por atitudes como a da minha mãe, de me transferir de escola no decorrer de um ano letivo.

Mesmo quem não tenha o real conhecimento de definição da palavra bullying, sabe o que ela se propõe. Mas, quem é vítima dela sabe as consequências que ela carrega. Existe um clamor da sociedade em reprimir substancialmente qualquer tipo de bullying; sim, porque como consequência, ou, não do progresso máquina, e, regresso homem, aquela palavra quase desconhecida na minha época de escola, hoje apresenta suas variantes tão deformadoras quanto quem delas pratica. No entanto, a mídia, operante em nossas personalidades, mastiga o tema de forma criteriosa. Os espaços destinados à discussão sobre bullying cresceram, sem dúvida, e, não raro vivenciamos o tema não só nas suas consequências, quando o dano já se consolidou, mas também, nas incipientes campanhas, quase sazonais, de prevenção.   

Mas, a mesma mídia que assopra, morde. A incitação ao bullying é constante materializada, não só na programação destinada ao público adulto, mas já nas bases da infância, onde o nosso senso crítico, para tomada de decisões, e, formação de caráter se faz. Quem acaso não tem em sua mente alguma lembrança de animação, ou, até mesmo programa destinado ao público infantil, onde o garoto franzino, de óculos, aparelho nos dentes, algumas vezes, asmático, tem sua integridade física, e, mental ameaçada por outros, geralmente representados por estereótipos maiores? Se você fosse uma criança, em que lugar você gostaria de estar: no do garoto franzino, ou, no do garoto mais forte? E, se o garoto franzino, de óculos, aparelho nos dentes, asmático pertence ao clube de xadrez da escola, e, o garoto mais forte é “respeitado” por todos, que comportamento você acha que uma criança seria inconscientemente levada a ter?  

Não se trata de omitir o problema. Ao contrário; o problema é real, convive conosco em sociedade, e, está muito mais perto do que pensamos, podendo estar mesmo dentro de nossas casas. Então, por que não debater? Por que não aproveitar a força da mídia para provocar o senso crítico ao invés de vender uma imagem, para depois tentar convencer de que tudo aquilo é errado, de que é crime? Não adianta encher balde furado, assim como não adiantou transferir uma criança de oito anos para outra escola, no meio do ano letivo. As marcas ficaram para sempre. 

7 comentários:

  1. Maravilhosa reflexão sobre a incoerência entre o que se diz que se quer e o que se faz.

    Também fui vítima na escola, e também não se falava em bullying na época, aliás, mesmo as professoras me apontavam e omitiam o que acontecia porque eram despreparadas para sua função.
    Um ponto importante: em seis meses, tempo necessário para se caracterizar bullying, é tempo suficiente para que muitas coisas aconteçam.

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  3. São marcas deixadas em tão pouca idade, mas que se prolongam por uma vida inteira. Sem esforço nenhum, eu posso me lembrar de tudo o que eu passei. De tudo o que eu vivi.

    Eu sei onde está cada cicatriz minha, e, o que ela faz comigo até hoje. Algumas, estão adormecidas, escondidas em algum canto. Outras ainda doem muito. E, outras, não chegaram a se tornar cicatrizes, ainda são feridas, pois existem até hoje.

    Cada um reage de uma maneira diferente. Alguns, amassam lembranças e as jogam fora, insconscientemente. Outros, em algum momento da vida, irão expressar uma dor reprimida.

    O tempo suficiente para caracterizar bullying é o tempo suficiente para criar marcas, isso pode ser feito com um único contato, por minutos.

    Ana.

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  4. A mídia tanto ajuda quanto atrapalha na divulgação do ato, mas em contra partida, cumpriu seu papel com maestria. No qual colocou uma interrogação na mente das pessoas. Mostrando para todos que o bullying é uma brincadeira bem sem graça.

    Criancinhas em fase escolar podem ser bem cruéis e cabe aos pais / responsáveis tomarem as providências necessárias, para que o este mal não se prolongue.

    Trata-se de um perigo real e deve ser levado a sério, pois se para adultos já é difícil a defesa em alguns casos, imagine para os pequenos.


    Leonel, Dan Porto, amigos
    Boa noite.

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  5. O bullying na idade pré escolar e adolescência, sem dúvidas, deixam sequelas emocionais profundas como: angústia, impotência, menosprezo, etc.

    É comum nas escolas, e acontece de fato, quando brigas e agressões se tornam frequentes naqueles aparentemente desprovidos de força, sem poder se defender, e por isso, a vitima se torna alvo fácil e sofre silenciosamente. Aliás, considero uma das piores dores, a dor do silêncio. Nessa fase, já instalou-se o trauma. Infelizmente, não é sempre que a família, ou responsáveis estão atentos a esses comportamentos.

    Fatores importantíssimos que pedem atenção e cuidados especiais. Percepção de mudanças comportamentais, agressividade, embotamento afetivo, tristezas, e demonstração de resistência à assiduidade na escola. A partir daí é necessário buscar ajuda na escola, onde há profissionais qualificados, como psicólogos, psicopedagogos... Avaliações são realizadas, e logo em seguida encaminhadas a um tratamento clínico, terapias onde será atendido por uma equipe multidisciplinar, lembrando que a vitima e família devem estar inseridos nesse processo de recuperação procurando pelo menos minimizar as dores psicológicas da vitima que certamente sofreu horrores. Com a ajuda, possivelmente conseguirá.

    Abraços de Irlene

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  6. Tudo existe dentro de uma controvérsia admitida, eles discutem sem mudar o problema. Esse pensamento que apresenta é um desvio a hegemonia, e ninguém quer perder o controle. Apenas replicar modelos do poder.

    Me desespero ao pensar o que faremos para salvar nossos filhos disso.

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  7. Concordo com você, Danilo, totalmente.
    Vivemos replicando pensamentos copiados não se sabe de quem nem de onde.
    É preciso acordar!

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