sábado, 22 de outubro de 2011

Dito pelo não-dito – Catherine


Dias atrás, durante uma aula de farmacologia, a discussão sobre interações entre medicamentos tomou um rumo diferente. Em um dado momento, criticou-se o uso de drogas psiquiátricas como tratamento para algumas doenças. É interessante observar o pré-julgamento que muitas pessoas, inclusive profissionais da área da saúde, tem e, continuarão a ter, sobre os psicofármacos. De maneira geral, sobre os seus (inúmeros) efeitos. 


Infelizmente, o pensamento coletivo tem raízes tão fortes que prejudicam um melhor entendimento e tolerância quanto ao uso desses medicamentos. "Remédios de doido" ou "Tarja preta para pessoas perturbadas" não são somente termos para descrever de forma "clara" ou "comum" o tipo de medicamento, como também contribuem para estereotipar quem faz seu uso, por falta de conhecimento, mínimo que seja.  

As pessoas tem um pré-conceito que se estende há bastante tempo, e, é passado ao longo dos anos, por histórias contadas, pelo que vê ou por "experiências na família". Ou até mesmo, pela falta de informação dada pelo médico que prescreve as medicações, ainda com o pensamento de "Não é necessário saberes do que se trata. Eis o medicamento que lhe indico e tudo estará bem", e o paciente sai do consultório mais perdido do que quando chegou. Mas, de qualquer forma, confia no médico. 

Quem nunca ouviu alguém dizer: "Já tomaste teu Gardenal hoje?" ou qualquer outro comentário envolvendo drogas "famosas" como Prozac, Rivotril ou Haldol. Presume-se que todos são a mesma coisa e, só mudam de nome, e os medicamentos são conhecidos assim... aleatoriamente. Gardenal é conhecido por ser "remédio para retardados", Prozac tem a fama de ser prescrito para pessoas que "não tem o que fazer" e Rivotril indicado para pessoas "esquentadinhas" ou "impacientes". Conceitos distorcidos.  

De maneira simples: todos os medicamentos possuem indicações específicas e efeitos colaterais. Psicofármacos são medicamentos que agem no cérebro, melhorando ou alterando a percepção, o humor, o comportamento... Logo, é comum muitas pessoas acharem tais medicamentos perigosos e cheios de efeitos colaterais por agirem "no comando do corpo", como dizem alguns. O cérebro é como uma "rede de comunicações" e os medicamentos agem como "organizadores" do que estiver desordenado por lá, seja a curto ou longo prazo. Os resultados esperados variam de acordo com o tempo de ação, tipo de medicamento utilizado e duração do tratamento. O que "sobra" deste resultado, é um desajuste aqui ou ali. Está tudo interligado, e qualquer alteração será sentida em alguma parte do corpo, ou nele como um todo. 

Cada organismo responderá de uma maneira diferente. Um ansiolítico ideal para mim pode não ser o apropriado para outro. E o mesmo medicamento pode ter efeitos colaterais consideráveis em alguém, enquanto outra pessoa relata pouca ou nenhuma queixa. E há ainda efeitos colaterais benéficos para o paciente. Todos os medicamentos possuem riscos e efeitos colaterais, não há nenhum isento de cuidados. Há pessoas que relatam ficar "mais doentes" quando fazem uso de certo medicamento. Isso ocorre pelos seguintes motivos, em sua maioria: 1 - sensibilidade ao medicamento, 2 - não-adaptação ao fármaco (efeitos colaterais importantes), 3 - interação com outro remédio em uso (para qualquer outro problema de saúde), 4 - contra-indicações, 5 - o diagnóstico está equivocado e o medicamento está agindo onde não deveria. 

Por desinformação, pacientes não sabem o que fazer com as surpresas que um tratamento psiquiátrico lhes reserva. Não é necessária uma aula sobre farmacologia. Mas, deveriam/devem saber (conhecimento básico) como será seu tratamento, pois precisam, mais do que confiar no médico/psiquiatra, se sentir seguros e estimulados contra a doença, já que são os pacientes os favorecidos. 

Pré-conceitos e falta de informação sempre irão existir. De todas as partes. Mas, há um detalhe que pode fazer enorme diferença: dialogar, olhar nos olhos e, saber ouvir.

10 comentários:

  1. Eu creio que essa parte do diálogo médico/paciente é fundamental para qualquer consulta. Muitas vezes (isso lembra-me minhas belas aulas de microbiologia clínica) o paciente não entende absolutamente nada do que o médico fala, mas por desconforto, não reclama, e fica com suas dúvidas pairando na volta para casa. Bem, não sou médica, e não entendo muito sobre farmacologia, apesar de trabalhar indiretamente com...mas achei teu texto muito bom, melhor que minhas leituras do Penildo (nem lembro se é esse o nome, haha). E gosto excessivamente de neuro e afins...e tudo o que esteja ligado a ele. Esse mundo das sinapses é fascinante, não mais que aquelas proteínas belíssimas do câncer, haha, mas me empolguei com teu texto.

    Beijos...e que venham mais diálogos não?! ;)

    Maya Quaresma

    ResponderExcluir
  2. Sim, muitos pacientes, por vergonha ou por achar que é "proibido" perguntar, não iniciam um diálogo. E, muitas vezes, nem o médico. As consultas são tão rápidas e impessoais que os pacientes representam, muitas vezes, apenas um número e, não um ser humano.

    Ana.

    ResponderExcluir
  3. Exatamente, e outro ponto é, o médico está habituado com certas palavras, e ele pensa que o paciente está bem e entendendo tudo do modo como ele entende, quando na verdade o paciente sai do consultório com uma interrogação muito maior do que quando entrou. E tem uns que chegam a nem utilizar a medicação de forma correta justamente por conta desta comunicação inexistente ou incompleta.
    O paciente, independente do especialista ao qual está indo, deve fazer todas as perguntas necessárias e até aquelas desnecessárias, porque depois não dá pra ficar ligando ou mandando email por médico perguntando isso e aquilo que não entendeu na hora da consulta. Afinal, o medicamente quem vai tomar é ele, e no meu ponto de vista, pela ignorância do assunto, eles devem fazer todos os questionamentos possíveis da ação dos fármacos, do porque daquela dosagem ou aquele medicamento, e não outro. Suas interações farmacológicas. Vai que o paciente faz uso de um medicamento que inibe ou aumenta a ação de outro? Diálogo é sempre o princípio de tudo. E isso pra mim é imutável.

    Beijos^^

    Maya Quaresma

    ResponderExcluir
  4. Ana
    O seu texto é de utilidade pública. Parabéns!
    E concordo, a classe médica poderia tornar a consulta mais didática, se despindo da imagem de semideus e familiarizando o paciente com a patologia que o mesmo apresenta.

    ResponderExcluir
  5. Maya,

    Sobre as interações... É que alguns médicos não perguntam ou quando questionam o paciente, por algumas vezes, desconhecem ou fazem pouco caso dos medicamentos psiquiátricos. E, por ter todo esse tabu em cima destes, os pacientes sentem receio em dizer que tomam psicofármacos por "O que ele/ela pensará de mim?". Alguns pacientes mal sabem o nome dos remédios de que fazem uso. Tem todo um contexto complexo.

    Dan,

    Muitos médicos deixaram de consultar para "fazer favores" ao paciente. Não existe uma relação médico/paciente satisfatória. Essa imagem de "semi-Deus" foi construída tanto pela classe médica quanto pela sociedade. Ser médico, na maioria das vezes, é ter status. E, alguns se agarram tanto ao poder que têm, que não admitem ser questionados. Por vezes, o respeito que um paciente tem com seu médico confunde-se com o medo. As pessoas colocam alguns profissionais da área da saúde em um pedestal, onde os mesmos não querem mais sair.

    Consultas, hoje, viraram um comércio. Se fores a um médico do SUS para uma consulta, ele te atenderá de uma maneira. Se fores no consultório particular dele, te tratará como um rei. Por uma diferença de 150 reais, em média. Claro que em um consultório particular, o tempo de uma consulta é maior, o que não é motivo para melhor atendimento. Pode-se atender rapidamente, mas com qualidade. Enquanto podes ficar horas em uma consulta, não proveitosa.

    Não se olha mais o paciente como o centro. Olha-se a doença. Ou nem isso. Presta-se atenção ao lucro.

    Obviamente, não são todos os médicos. Existem profissionais que exercem lindamente a medicina. Ou qualquer outra profissão da saúde. Não é atitude exclusiva de médicos.

    Existem os profissionais excelentes, os bons, e os péssimos.

    ResponderExcluir
  6. Concordo plenamente Ana! E olha, esse status é com todos da saúde viu? Acho que já tenho meu tema de estréia por cá. Pensei em um texto, mas deixarei para segundo post. Algo que complemente o teu é o que farei agora.

    ResponderExcluir
  7. Anita,

    A relação médico paciente se faz através da boa informação, explicação detalhada com clareza, além disso, de forma simples e objetiva referente ao diagnóstico e, os possíveis tratamentos, facilita assim a compreensão do paciente.
    Afinal, trata-se de um assunto relevante importantíssimo, a saúde, a vida.

    De certa forma é desconfortável o clima dentro do consultório. É visível a fragilidade do paciente ao estar diante o profissional da saúde, o desamparo, desconforto é grande em decorrência a doença, a dor física ou psíquica, demonstra medo do desconhecido, sobretudo o medo da morte.
    Olha amiga, bem sabes porque digo isso...
    Já cheguei nos "limites" da vida e da morte.
    Já passei por enes especializações médicas, diria que já vi de quase tudo.
    Há profissionais a desejar, mas também há profissionais notáveis, tive a "sorte" de algumas prioridades, e sucesso nesse sentido. Conheço um médico, por sinal, admiro muitíssimo, desempenha o papel exemplar! Ele utiliza de uma metodologia excelente; transforma a fala no lúdico, desenha para que o paciente entenda. Reconhece no paciente várias limitações no conhecimentos específicos. Enfim, a relação, medico-paciente terá bons resultados se houver diálogo aberto, humildade para saber ouvir e, se colocar no lugar do outro. Sempre.Somente assim, o paciente será beneficiado para o seu processo de cura.

    Parabéns pelo texto! Excelente.

    Tens minha admiração.

    Irlene

    ResponderExcluir
  8. O humano é sempre um fator fundamental.

    Há conhecidos que só sobrevivem a São Paulo devido a remédios e não são loucos por isso, a cidade que o é.

    ResponderExcluir
  9. Louco pode ser além de uma disfunção química. Pode ser aquele que não se encaixa no estabelecido, pensando um tanto fora da linha do texto da Ana.

    ResponderExcluir
  10. Excelente comentário, Irlene.

    Dan e Danilo, vocês entram em outro ponto distinto: a loucura e suas faces. Uma outra história... Um outro texto.

    ResponderExcluir